terça-feira, 25 de outubro de 2016

A arte sacra universal perde um talento brasileiro

Cláudio Pastro

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O paulistano Cláudio Pastro morreu na madrugada do dia 19 de outubro. Era considerado internacionalmente como o mais importante artista sacro brasileiro e um dos maiores do mundo.
Nascido no Tatuapé, em 1948, recebeu na infância, das irmãzinhas da Assunção, uma formação religiosa marcada pela beleza da liturgia e pela objetividade da relação da pessoa com Deus. Posteriormente, se aproximou da Ordem Beneditina e tornou-se oblato do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em Itapecerica da Serra, sua casa espiritual em vida e onde foi sepultado.

Trajetória artística
No início da década de 1970, foi trabalhar como voluntário na periferia de São Paulo, dando aulas de artesanato nas favelas de São Mateus. Foi lá que conheceu Comunhão e Libertação, movimento católico responsável pelo início de sua trajetória artística.
Considerada a mais marcante influência na vida de Pastro, Madre Dorotéia Rondon Amarante, abadessa do Mosteiro da Paz, o formou e o incentivou a conhecer os grandes mestres do Concílio Vaticano II, como Odo Casel e Romano Guardini. 
Cláudio estudou arte na Abbaye Notre Dame de Tournay (França), no Museu de Arte Sacra da Catalunha (Espanha), na Academia de Belas Artes Lorenzo de Viterbo (Itália), na Abadia Beneditina de Tepeyac (México) e no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. As origens de sua arte, contudo, sempre foram sua experiência de fé, marcada pela beleza da liturgia, e sua vivência junto aos mosteiros beneditinos.
No final da década de 1990, foi convidado para sua obra mais importante: concluir o interior da Basílica de Aparecida, que na época tinha as paredes nuas, sem nenhuma obra de arte. Ainda no início dos trabalhos, em função de uma crise hepática, entrou num coma que durou quarenta dias.
Praticamente renascido, seus últimos anos foram marcados pelos sofrimentos advindos de uma saúde muito comprometida e por uma produção artística que impressionava a ele mesmo. Nunca havia produzido tanto ou sido tão reconhecido.

A renovação dos espaços sagrados
Os especialistas de patrimônio cultural consideram os templos religiosos como obras físicas “mortas”, a serem preservadas para retratar um período histórico. Pastro os considerava como obras vivas, fruto da interação permanente da comunidade de fieis com as estruturas materiais. Por isso, afora casos específicos de alto valor histórico, considerava que o templo tinha que passar sempre por um processo de renovação que mantivesse suas raízes, mas também acompanhasse a evolução da comunidade.
Assim, seguindo o espírito do Concílio Vaticano II, concebeu, em 1988, o primeiro espaço celebrativo no Brasil que seguia as normas litúrgicas pós conciliares: a Capela da Hospedaria do Mosteiro Beneditino de Brasília.

 Capela da Hospedaria do Mosteiro Beneditino de Brasília


As comunidades, das pessoas simples do interior do Brasil aos membros de grandes associações europeias, sempre gostaram e se renovaram com suas obras. Por isso, hoje em dia, existem centenas de espaços religiosos de sua autoria no Brasil, na Itália, Alemanha, França e Espanha.
Caso exemplar é o Pátio do Colégio, marco da fundação de São Paulo. A igreja colonial que ali existia praticamente desabou no século XIX e o espaço passou à prefeitura, sendo retomado pelos jesuítas só em 1953.
Pastro não quis reconstruir a igreja colonial, pois essa não mais existia e refazê-la seria uma falsidade. Usando azulejos (material típico do Brasil colônia) refez a igreja internamente, de modo a recuperar a memória de seu significado histórico, mas incorporando as normas litúrgicas preconizadas pelo Concílio Vaticano II e a estética da atualidade.

Capela do Pátio do Colégio


Associação Cláudio Pastro
Após sua morte, a catalogação de sua imensa obra (cerca de 300 igrejas espalhadas pelo mundo e um número incontável de quadros, esculturas e objetos litúrgicos) está a cargo da Associação Cláudio Pastro – Ars Sacra. A ela cabe agora o encargo de tornar esse patrimônio acessível e conhecido por todos.
Jornal "O São Paulo", edição 3125, 26 de outubro a 1º de novembro de 2016.

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